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Existem algumas perguntas que sempre nos vêm à cabeça quando o assunto é produzir Literatura.
Será que já não há muita gente fazendo isso?
Já não temos obras demais no mercado?
Existe espaço para tanta gente?
Ensinar a escrever não seria rebaixar a arte ao colocar sua produção ao alcance de tantas pessoas? Não a tornaríamos algo fútil se a tornássemos mais acessível ao grande público?
Há nisso evidentemente um perigo, mas o abuso de uma coisa não prova que ela seja má.
Consideremos o seguinte: toda a gente fala, mas nem todos são oradores. A pintura vulgarizou-se, mas nem todos são verdadeiros pintores. Nem todos os músicos fazem óperas.
Portanto, escrevamos. O tempo vai certamente se incumbir de separar o joio do trigo e nos colocar, ou não, entre os que de fato têm vocação, talento e capacidade para isso. Estamos, então, em princípio, ao abrigo de qualquer censura.
Por outro lado, podemos escrever não só para o público, mas para nós próprios, para satisfação pessoal.
A literatura é um atrativo, como a pintura e a música, uma distração nobre e permitida a qualquer pes¬soa, um meio de dulcificar as horas da vida e, muitas vezes, os enfados da solidão.
Contudo, muitos questionam sobre a eficácia das técnicas e as orientações que damos em um curso como este.
Acreditam que os conselhos serão bons para as pessoas de muita imaginação, visto que a imaginação é faculdade essencial para este tipo de arte. Mas aí vem outra pergunta: será possível dar imaginação àqueles que não a têm?
A resposta não é difícil.
Aqueles que não tiverem imaginação passarão sem ela, mesmo em se tratando de Literatura. Há um estilo feito a partir de ideais, um estilo abstrato, um estilo seco, formado de nítida solidez e de pensamento puro, simples recortes do cotidiano que é admirável!
Cada um pode, portanto, escrever conforme as suas faculdades pessoais.
Este poderá apresentar discussões abstratas, aquele poderá descrever a natureza, abeirar-se do roman¬ce, dialogar situações. Não há limitações, portanto, neste universo. Quem souber redigir uma carta, isto é, fazer uma narrativa a um amigo, deve ser capaz de escrever, por exemplo, um conto. Isso porque uma página de um texto literário é uma narrativa feita para o público.
Quem pode escrever uma página, pode escrever dez. Basta fôlego!
E quem sabe fazer uma novela certamente será capaz de fazer um romance, porque uma série de capí¬tulos, nada mais é que uma série de novelas.
Assim, qualquer pessoa que tenha mediana aptidão e leitura, poderá escrever, se quiser. Para isso basta aplicar-se. Se a arte lhe for interessante, se tiver o desejo de expressar o que vê e de descrever o que sente, o caminho estará aberto.
A Literatura não é, desta forma, uma ciência inatingível, reservada a raros iniciados e que exija grandes estudos preparatórios.
É uma vocação que cada um traz consigo e que desenvolve, mais ou menos, segundo as exigências da vida e as ocasiões favoráveis.
Claro que há muita gente que escreve mal.
E muita gente há que poderia escrever bem, mas que não escreve e não se interessa em melhorar a escrita, porque sequer tem consciência de sua pequenez neste tipo de atividade.
O dom de escrever, isto é, a facilidade de exprimir o que se sente, é uma faculdade tão natural ao ho¬mem como o dom da fala.
Ora, se toda a gente pode contar o que viu, por que não poderia escrevê-lo?
A escrita não é senão a transcrição da palavra falada, e é por isso que se diz que o estilo é o homem.
Desta forma o entendia o francês Montaigne, um dos maiores nomes da Literatura de todos os tempos. Indagou ele certa vez a um amigo: “Nunca vos impressionastes com o desembaraço que os aldeões empregam nas suas narrativas, quando se servem da sua linguagem natal?”
As pessoas do povo, para exprimir coisas pelas quais passaram, têm certas palavras e originalidades de expressão e uma criação de imagens que espantam os profissionais. Se qualquer pessoa de coração, qualquer uma, escrever a alguém sobre a morte de uma pessoa querida, fará uma admirável narrativa, que nenhum es¬critor poderá imitar, quer seja Machado, quer seja Shakespeare.
Muitos mestres da Literatura, em visitas a certos lugares, copiavam servilmente os diálogos das pessoas com quem falavam. E os reproduziam fielmente, dando às suas obras uma qualidade única. Assim o fez magistralmente Émile Zola em seu livro Germinal.
Portanto, se toda a gente pode escrever, com muito mais razão e propriedade o podem fazer as pessoas medianamente cultas, as pessoas que têm leitura e que amam a Literatura.
Dentre eles estão os jovens que fazem versos elegantes ou registram os seus pensamentos num diário íntimo.
Há muita gente que, dirigida e ensinada, poderá determinar e aumentar as suas aptidões pela criação literária e, claro, desenvolver talentos.
Há pessoas que ignoram as suas forças, porque nunca as experimentaram, e estão mesmo longe de imaginar que poderiam escrever. Outros, mal ajudados ou dissuadidos da sua vocação, desanimam por se reconhecerem medíocres, sem um guia que os oriente e os aperfeiçoe.
Quase todas as pessoas que escrevem mal, o fazem porque não lhes foi demonstrado o mecanismo do estilo, a anatomia da escrita, nem como se encontra uma imagem e se constrói uma frase literariamente bem feita.
Assim, descobrir o filão, tirar o diamante, sachar a terra, nada é, e é tudo.
Quando se refazem as frases, quando se descobrem as imagens, quando se limpa o estilo e quando se reúnem as palavras certas, quanta felicidade!
Gilberto Martins
https://www.facebook.com/Palavraearteoficial/
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