sábado, 20 de outubro de 2018

Um trechinho do comentário de Paulo Leminski

Por que é que os povos amam seus poetas? É por que os povos precisam disso, porque os poetas dizem uma coisa que as pessoas precisam que seja dita. O poeta não é um ser de luxo, ele não é uma excrescência ornamental da sociedade. Ele é uma necessidade orgânica de uma sociedade. A sociedade precisa daquilo, daquela loucura pra respirar. É através da loucura dos poetas, através da ruptura que eles representam, que a sociedade respira dessa pressão que eu tava falando de de repente você ter uma máquina em cima de você, que você não escolheu, não pediu, mas não adianta nada você espernear, ela é maior do que você

Paulo Leminski - Ervilha da Fantasia (1985) - naked version -

quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Sibila

Já quase não enxergo o teclado
embaçado a fim de desenjaular
o verso insinuante, raro e erradio,
dessa opressão infinita do infinito.

Já quase não pretendo o que nada
tangencia, roça, esbarra ou rabisca
as lacunas dos labirintos da poesia.
Ouço silêncios. O escuro. As ciladas.

Já quase não relaxo em ócios do ofício
constante de reconhecer o desconhecido,
de a engenharia da palavra fazer o link
entre a passarela imagética dos signos.

Já quase não respiro e nos jardins em volta,
vou e volto, vou e persigo e insisto na derrota
anunciada, pois o poeta não tem mais chance
contra a fome dos ágoras, atrás do rabo do antes.

Já quase não duvido mais de que a solidão cria
vozes secretas pelas frestas repletas de vazios,
de ecos sem gritos e de sílabas que movem-se
por meio de delicados timbres e variados códices.

O poema é uma lufada sibilina. Sem sul. Sem norte.

Marlos Degani

Paraquedas


Inspiração
É quando a folha cai,
E vai, lentamente, sem um ai...

Ciente de que o poeta
Abrirá o paraquedas
Do poema...

Danniel Valente
imagem: google


segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Um soneto de Lena Ferreira


eu canto, com ou sem motivo,
sorrio até sem ter vontade
- não pense que por vaidade
mas sim para manter-me vivo -

meu coração não é cativo
só segue o que lhe dá vontade
alheio às tolas verdades
a parte; assim, eu sobrevivo

eu canto e, como em qualquer canto,
às vezes também desafino
mas nem por isso perco o encanto

por mais que viva, sou menino
- qual um passarinho em voo amplo
é assim que sigo o meu destino -

do livro "Quartecetos", 2014, 

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

prova



bem que tentei me ajustar ao mundo
ser um bezerro a mais nessa boiada
tangida por quem diz saber de tudo
- quem diz saber de tudo, sabe nada -

bem que tentei acompanhar os passos
dos pés que alicerçaram o paraíso
mas, percebi pelos tropeços crassos:
provar do inferno também é preciso

bem que tentei provar, a todo custo,
o meu motivo, mesmo tolo, justo
quanto a vazão quando a mente engravida

tentei provar, por muito tempo e tanto
agora, experimento este entanto:
se é pra provar, melhor provar é a vida!


- Lena Ferreira -

sábado, 18 de agosto de 2018

Contagem Regressiva


Ó tempo...
Não adianta mostrar-me
meu passado feliz...
Ele só serve
para aumentar minha dor,
e não como consolo...

Não interessa o que fiz
ou o que perdi,
por não fazer...

Agora só me resta viver
este resto de vida,
e desfolhar a margarida.
(para continuar rimando)

Estou na contagem regressiva,
e por mais que eu viva,
não será como tempos atrás.
O que foi, foi...
Não volta mais.

A.J. Cardiais 
imagem: google

Poemas e Problemas - II


O poeta também tem problemas.
Não vive só: "Num mar de rosas".
Quando não está para prosas,
desconta tudo nos poemas.

A.J. Cardiais
24.07.2012
imagem: a.j. cardiais


sexta-feira, 27 de abril de 2018

Viagem



Estou no lugar de sempre
Ainda nem acordei direito
E como sempre, no mesmo quarto de sempre
Com os lençóis ensanguentados de tristeza

Viro pro lado e lá estão elas:
As ríspidas lembranças afiadas
Que maldosamente expulsam
Minha sanidade lilás
E aos poucos enchem minhas entranhas
Com uma mágoa quente e amarga
Que em lagrimas de fúria deixam meu corpo
Viro pro outro lado enfrentando emoções agressivas
Espancando meus intranquilos sentimentos
Nesse momento, minha pele transpira
Uma agonia espessa e venenosa
Que marca perfurando os caminhos da minha mente
É uma tortura silenciosa atormentada
Por uma felicidade pavorosa
Que insistentemente surge
Destruindo meus instantes de suavidade
Essa viagem que sangra nossa alma
Traz a sensação dolorosa que
Tudo vai dar certo
Após algumas voltas dos ponteiros do relógio
Meus braços já estão cansados
E no fundo da turbulência da minha massacrante
E adorável crise gosto de acreditar
Que tudo vai acabar bem.
Gabriel Sam
https://www.facebook.com/og.maron?fref=gs&dti=273400146147423&hc_location=group_dialog

O Dom de Escrever

imagem: google

Existem algumas perguntas que sempre nos vêm à cabeça quando o assunto é produzir Literatura. 
Será que já não há muita gente fazendo isso? 
Já não temos obras demais no mercado? 
Existe espaço para tanta gente? 
Ensinar a escrever não seria rebaixar a arte ao colocar sua produção ao alcance de tantas pessoas? Não a tornaríamos algo fútil se a tornássemos mais acessível ao grande público? 
Há nisso evidentemente um perigo, mas o abuso de uma coisa não prova que ela seja má. 
Consideremos o seguinte: toda a gente fala, mas nem todos são oradores. A pintura vulgarizou-se, mas nem todos são verdadeiros pintores. Nem todos os músicos fazem óperas. 
Portanto, escrevamos. O tempo vai certamente se incumbir de separar o joio do trigo e nos colocar, ou não, entre os que de fato têm vocação, talento e capacidade para isso. Estamos, então, em princípio, ao abrigo de qualquer censura. 
Por outro lado, podemos escrever não só para o público, mas para nós próprios, para satisfação pessoal. 
A literatura é um atrativo, como a pintura e a música, uma distração nobre e permitida a qualquer pes¬soa, um meio de dulcificar as horas da vida e, muitas vezes, os enfados da solidão. 
Contudo, muitos questionam sobre a eficácia das técnicas e as orientações que damos em um curso como este. 
Acreditam que os conselhos serão bons para as pessoas de muita imaginação, visto que a imaginação é faculdade essencial para este tipo de arte. Mas aí vem outra pergunta: será possível dar imaginação àqueles que não a têm? 
A resposta não é difícil. 
Aqueles que não tiverem imaginação passarão sem ela, mesmo em se tratando de Literatura. Há um estilo feito a partir de ideais, um estilo abstrato, um estilo seco, formado de nítida solidez e de pensamento puro, simples recortes do cotidiano que é admirável! 
Cada um pode, portanto, escrever conforme as suas faculdades pessoais. 
Este poderá apresentar discussões abstratas, aquele poderá descrever a natureza, abeirar-se do roman¬ce, dialogar situações. Não há limitações, portanto, neste universo. Quem souber redigir uma carta, isto é, fazer uma narrativa a um amigo, deve ser capaz de escrever, por exemplo, um conto. Isso porque uma página de um texto literário é uma narrativa feita para o público. 
Quem pode escrever uma página, pode escrever dez. Basta fôlego! 
E quem sabe fazer uma novela certamente será capaz de fazer um romance, porque uma série de capí¬tulos, nada mais é que uma série de novelas. 
Assim, qualquer pessoa que tenha mediana aptidão e leitura, poderá escrever, se quiser. Para isso basta aplicar-se. Se a arte lhe for interessante, se tiver o desejo de expressar o que vê e de descrever o que sente, o caminho estará aberto. 
A Literatura não é, desta forma, uma ciência inatingível, reservada a raros iniciados e que exija grandes estudos preparatórios. 
É uma vocação que cada um traz consigo e que desenvolve, mais ou menos, segundo as exigências da vida e as ocasiões favoráveis. 
Claro que há muita gente que escreve mal. 
E muita gente há que poderia escrever bem, mas que não escreve e não se interessa em melhorar a escrita, porque sequer tem consciência de sua pequenez neste tipo de atividade. 
O dom de escrever, isto é, a facilidade de exprimir o que se sente, é uma faculdade tão natural ao ho¬mem como o dom da fala. 
Ora, se toda a gente pode contar o que viu, por que não poderia escrevê-lo?
A escrita não é senão a transcrição da palavra falada, e é por isso que se diz que o estilo é o homem. 
Desta forma o entendia o francês Montaigne, um dos maiores nomes da Literatura de todos os tempos. Indagou ele certa vez a um amigo: “Nunca vos impressionastes com o desembaraço que os aldeões empregam nas suas narrativas, quando se servem da sua linguagem natal?” 
As pessoas do povo, para exprimir coisas pelas quais passaram, têm certas palavras e originalidades de expressão e uma criação de imagens que espantam os profissionais. Se qualquer pessoa de coração, qualquer uma, escrever a alguém sobre a morte de uma pessoa querida, fará uma admirável narrativa, que nenhum es¬critor poderá imitar, quer seja Machado, quer seja Shakespeare. 
Muitos mestres da Literatura, em visitas a certos lugares, copiavam servilmente os diálogos das pessoas com quem falavam. E os reproduziam fielmente, dando às suas obras uma qualidade única. Assim o fez magistralmente Émile Zola em seu livro Germinal.
Portanto, se toda a gente pode escrever, com muito mais razão e propriedade o podem fazer as pessoas medianamente cultas, as pessoas que têm leitura e que amam a Literatura. 
Dentre eles estão os jovens que fazem versos elegantes ou registram os seus pensamentos num diário íntimo. 
Há muita gente que, dirigida e ensinada, poderá determinar e aumentar as suas aptidões pela criação literária e, claro, desenvolver talentos. 
Há pessoas que ignoram as suas forças, porque nunca as experimentaram, e estão mesmo longe de imaginar que poderiam escrever. Outros, mal ajudados ou dissuadidos da sua vocação, desanimam por se reconhecerem medíocres, sem um guia que os oriente e os aperfeiçoe. 
Quase todas as pessoas que escrevem mal, o fazem porque não lhes foi demonstrado o mecanismo do estilo, a anatomia da escrita, nem como se encontra uma imagem e se constrói uma frase literariamente bem feita. 
Assim, descobrir o filão, tirar o diamante, sachar a terra, nada é, e é tudo. 
Quando se refazem as frases, quando se descobrem as imagens, quando se limpa o estilo e quando se reúnem as palavras certas, quanta felicidade!


Gilberto Martins
https://www.facebook.com/Palavraearteoficial/