domingo, 2 de agosto de 2015

Poeta: Um Ser Errante e Solitário

Silencioso diário poético, um pensamento me vem à mente todas as vezes que penso na minha arte solitária de escrever: Eu me tornei solitário porque sou poeta ou me tornei poeta porque sou solitário? Cada artista tem o seu temperamento, os ambientes que o inspiram a escrever. Alguns podem gostar de barulho, de movimentação, mas a grande maioria, creio eu, prefere a paz, o silêncio, a tranquilidade. O problema é que momentos assim normalmente só podem ser alcançados através de uma vida solitária, reflexiva. Vamos definir os termos para não haver confusão! Quando falo em solidão, não estou pensando naquele ser que abandonou a convivência humana, refugiou-se em seu apartamento para sempre ou foi morar indefinidamente numa caverna, sem contato com a civilização, para se dedicar exclusivamente a criar. O que estou dizendo é que o instante criador precisa de um momento de tranquilidade, onde o artista possa organizar as suas ideias sem intromissão externa. Geralmente, um lugar rupestre ou a madrugada, quando todos estão dormindo, a TV está desligada, o menino não está jogando bola, o vizinho não está escutando música altissonante e os carros estão nas garagens. Paz, sossego, silêncio. Depois da obra criada e acabada, que venham as pessoas e seus barulhos, que volte a girar a roda do mundo e os guardas apitem. Que passem carros e carruagens, foguetes, aviões, britadeiras, motocicletas. Que chorem e gritem as crianças, latem os cachorros, miem os gatos, relinchem os cavalos. Tudo já está feito, agora é só alegria.
Em matéria de criação não existem regras. Mas é preciso compreender que solidão não é um estado, mas um momento. Ninguém é capaz de viver sozinho o tempo inteiro. Lembro de ter assistido a uma reportagem na TV há alguns anos. Ela mostrava a vida de um homem que decidiu abandonar a civilização para viver sozinho numa casa escondida num lugar ermo e de difícil acesso. Ele raramente saía, não possuía televisão, rádio ou Internet. Seu único contato com as pessoas era quando ia até a cidade comprar alguns mantimentos. Não havia luz elétrica, água encanada, e tudo era bastante rústico. Todavia, ele não conseguiu esconder as lágrimas ao falar da saudade da família. Não havia como esconder que, apesar de estar solitário como desejara, a presença das pessoas que ele amava lhe fazia muita falta. Longe dos outros crescemos deficientes, pois somos seres comunitários, interdependentes. Evoluímos como pessoas à medida que interagimos com outras pessoas, que avaliamos e somos avaliados por elas, aprendemos e ensinamos, corrigimos e somos corrigidos. Ninguém jamais foi, é ou será autossuficiente, acima de tudo emocionalmente. Então, a solidão não é um estado, uma realidade constante, mas um desvio de percurso, um instante de retração, de viagem para dentro de si próprio, para depois voltar-se para o mundo. Solidão pela solidão é patológica.
Já ouvi inúmeros relatos históricos e filmes contando sobre a vida monástica. De repente, alguém decide que a melhor forma de desenvolver a sua vida espiritual e estar mais próximo de Deus é fugindo de tudo e de todos. Longe do mundo de pecado, não há como pecar, como se o pecado estivesse fora, e não dentro. A batalha acontece no dia a dia. A espiritualidade se desenvolve enfrentando os leões e não fugindo deles. Assim é a vida do escritor. É do mundo, da vida, das incoerências, das inconstâncias, dos revezes, dos atritos, dos acasos, dos descasos, dos desmandos que ele tira a sua inspiração. A solidão criadora é um momento de reflexão daquilo que foi vivido, tocado, provado, absorvido para ser transformado em arte. Da guerra surge um belo quadro, da fome surge um poema, da miséria surge um romance, da tragédia da vida amorosa de alguém surge uma peça de teatro, do holocausto surge um filme, da vida dos animais surge um musical e da luta armada surge uma canção. Todos os belos poemas do livro dos Salmos, na Bíblia, surgiram a partir da vida real dos seus escritores, como Davi. Ele falava daquilo que vivia, sentia na pele, observava no mundo. Depois de ter o coração arrancado e feito em pedaços por uma desilusão amorosa, o poeta se retira e, absorto em sua solidão lacrimosa, executa o seu ato criatório e presenteia o mundo com sua maravilhosa obra poética. Do caos para a solidão, da solidão para o papel, e do papel para o mundo!
Mizael Souza
https://www.facebook.com/diariodeumpoeta2015?fref=nf

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