Sozinho
Apesar de partilhar amor,
Lutar contra as nossas misérias.
Sozinho, mas não solitário,
Pois estou entre os Cronópios[1].
Aqui não se avista o belo,
Ancorado sob o rebanho.
Há os de fama neste mundo
Que se considerando afortunados,
Multiplicam só pântanos e crocodilos...
Há os Cronópios que taxados de cigarras
E desprezados pela ignorância,
Levam seu canto a todos.
Sozinho, mas não solitário.
Se uns têm a carteira abarrotada de dinheiro,
Outros a trazem cheia de fósforos.
Aqui quando estes últimos se insurgem
Os charcos e jacarés tremem.
Seguir só,
Pois se fica invisível ao lado
Do fósforo da história dos sonhadores.
Daqui se vê que não basta não ser cego
Para ignorar as flores e o pássaro da real libertação...
Rogério Lustosa Bastos. Poemas no Guardanapo
Foto: Pintura de Hopper sobre a solidão (Facebook de Livia Garcia-Roza)
[1] Esse poema é inspirado no livro “História de Cronópios e de Famas”, de Júlio Cortázar. Em síntese, enquanto os de “Fama”, a rigor, são as pessoas utilitaristas cujo sucesso precisa ser alcançado até mesmo sob a hipótese de se criar a morte e a desolação; os “Cronópios” têm metaforicamente sua realização no canto amoroso da cigarra, o qual é partilhado com o universo, mas sem tirar nenhum proveito, exceto o prazer dessa partilha. Enfim, sob um mundo em que prepondera o cálculo e apenas o lucro desmedido, parece-nos que Cortázar quer pôr em questão a história dos acordados em detrimento da história dos sonhadores.
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